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sábado, 3 de julho de 2010

O Roubo da Santa - capítulo um

Para deleite dos leitores estarei postando aqui o primeiro capítulo do romance O Roubo da Santa.Ao acabarem de ler peço que deixem seus comentários a respeito do que acharam.



Capitulo 1


Naquela noite, não se ouvia barulho por detrás das já conhecidas entradas da Igreja de Nossa Senhora das Graças. Da Igreja ninguém se lembrava naquela época, somente os já devotos que todos os dias passavam em sua fronte, faziam o sinal da cruz em respeito à santa tão querida e amada, padroeira daquela cidade que de dia fervilhava de comerciantes, pessoas indo e vindo a todo o momento; e a noite se desertava, como se nenhuma alma existisse por aqueles arredores.
Na noite se esconde o perigo de tudo, embora muitos possam me desmentir e dizer o contrário, que na noite as coisas são belas, os casais se amam nas praças, as famílias se reúnem ao redor da mesa para o jantar, os jovens vão às ruas para levar aos outros o pouco da noção de liberdade. Mas naquela noite, noite em que a Lua se escondia por trás de nuvens de tempestades, não havia lugar para coisas belas, para casais apaixonados, para famílias que jantam na mesa, para jovens com ideais.
Pois quando a Lua não aparecia, e em seu lugar vinham as nuvens tenebrosas de uma tempestade, as coisas mudavam. E o que estava prestes a acontecer àquela noite é um exemplo claro e nítido de que nem todas as noites são feitas para o amor.
Deixando a igreja um pouco de lado, indo para mais adiante, na virada de uma rua chamada Paraná, vinha andando com passos tranqüilos, um ser desconhecido para as noites de Mesquita. Seu andar lembrava o modo como as cobras rastejavam pelo chão, sempre com a barriga a raspar pelas matas.
Andava despretensiosamente, como se naquela noite sem Lua, nada lhe pudesse acontecer, mesmo estando em lugar perigoso de Mesquita, perto das estradas, onde se encontravam os maconheiros da madrugada. Mas não se preocupava com eles. Estes já tinham destino traçado, vida curta e sem volta.
Deixou-se andar por mais alguns metros até parar em uma encruzilhada e notar que ali havia um despacho, dos mais fartos, com direito a cachaça cara do santo, alguidares recheados da comida da entidade, charutos espalhados pelos cantos. Heresia!, pensou consigo mesmo.
Continuou a andar, lembrando-se que tinha que chegar a casa da Padroeira de Mesquita e lá prestar suas “homenagens” a santa tão querida e amada por todos.
Tanto pensou que logo notou que já estava parado na frente do portão principal. Notou que estava trancado, mas não precisava de chaves, porque o portão nunca estava trancado, pois era invenção do Padre, seu Mariano, deixar o cadeado apenas como ornamento. Mas falaremos mais tarde sobre Padre Mariano e todos os seus defeitos.
Mas aquele Ser Que Andava Como Uma Cobra (vamos chamá-lo assim, uma vez que seu nome não será revelado ainda no inicio deste livro, é coisa somente para depois) sabia como Padre Mariano tratava a Igreja da Padroeira de Mesquita, com zelo e certo relaxamento.
Entrou, olhou queixosamente para a escadaria que teria que subir antes de chegar realmente a igreja, e soltou um xingamento:
- Puta que pariu!
Mas falou bem baixo, como se aquelas palavras pudessem corromper a sua já corrompida integridade.
Com esforço subiu correndo as escadas, chegando ao topo de tudo fatigado, ensopado de um suor frio, que mais se devia ao nervosismo do que a exaustiva subida.
Entrou na igreja, que sempre tinha suas portas abertas, e foi em direção aquilo que viera buscar. Viera de longe, de Portugal, coisa valiosa, rara, que passava de igreja em igreja que era construída para Nossa Senhora das Graças, que também é Oxum, rainha dos rios e das cachoeiras.
E bem em riba de um altar, estava ela, toda trabalhada em marfim vindo das presas de elefantes africanos brutalmente assassinados. O manto que lhe cobria a cabeça era costurado com fios de ouro, debaixo de seus pés, pisoteada pelos dedos de marfim, estava uma serpente toda em prata, com pedras vermelhas cravadas no lugar dos olhos.
Era isso que o Ser Que Andava Como Uma Cobra viera buscar, a santa que viera de Portugal e que era feita de marfim dos elefantes e de fios de ouro.
Iria roubá-la para si, vende-la no mercado, ganharia dinheiro e voltaria para sua terra, onde não havia pobres, miseráveis, vagabundos e maconheiros.
Nada protegia a pobre Santa naquele momento. Oh! Pobre santa que se esvai nas mãos de um ladrão barato, cujo andar era semelhante ao rastejar das cobras. Pobre santinha feita de material rico, vai embora para nunca mais voltar, habitará outro lugar e com o tempo se destruirá, não!, morrerá de desgosto, pois em Mesquita as santas também sentem dor, choram quando as roubam, e morrem quando não vêem mais gosto na vida.
O Ser Que Andava Como Uma Cobra a levou para longe, naquela noite que não foi feita para o amor.
Naquela noite mais uma santa chorou.




Atenção: É estritamente proibido a reprodução total ou parcial desta obra. A violação dos direitos autorais é punível como crime. Todos os direitos reservados à Editora Multifoco Ltda, Av. Mem de Sá 126 – Lapa - Rio de Janeiro - RJ

2 comentários:

  1. Para proteger os direitos e evitar qualquer tipo de violação dos direitos autorais, meu editor exigiu que eu colasse acima o parágrafo da Lei 5988 de 14/12/73 que protege os autores de qualquer complicação editorial.

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  2. Eu gostei muito da sua escrita!
    chei interessante a sinopse do livro e, agora lendo, achei muito mais interessante ainda!
    Parabéns. Se continuar postando, estarei aqui para ler!

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